segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Reciclando sonhos


   
   Ela afirma ter mais de oitenta anos, embora não aparente tudo isso. Sempre cortês e de sorriso fácil, ela empurra com agilidade o carrinho onde junta o lixo reciclável que mais tarde irá vender. Apesar de não haver coleta seletiva na cidade onde vivo gosto de estar em paz com a minha consciência ecológica e separo o lixo seco em minha casa. Depois entrego para essa senhora. E foi assim conheci sua história.
     Como tantas moças pobres do interior, ela saiu ainda bastante jovem de sua terra e foi trabalhar como empregada doméstica numa cidade maior. Casou, descasou, teve filhos e netos. Semana após semana, perseguiu o sonho de enriquecer até que um dia acertou os cinco números sorteados na loteria. Ganhou muito dinheiro. Porém hoje o único bem que lhe resta é uma casa simples. Ela conta que deu dinheiro a muitas pessoas, a advogados, “doutores” como ela diz. E o dinheiro que veio num golpe de sorte se foi quase tão depressa quanto veio. E a deixou com uma sensação amarga de ter sido enganada por pessoas gananciosas, algumas de sua própria família. Mas penso que talvez ela tenha sido enganada por si própria ao pensar que se tivesse bastante dinheiro seria dona do próprio destino. E então poderia quebrar as amarras que a prendem a uma vida de pobreza e trabalho duro. O dinheiro chegou, mas não trouxe consigo o senso de autoestima e valor de que ela precisava para usufruir plenamente sua nova condição financeira. E ela voltou ao trabalho pesado de cada dia.                                            
     E agora, além das caixas de papelão e garrafas PET, ela carrega consigo também a esperança de um dia acertar novamente os números premiados da loteria. E quem sabe dessa vez, mudar realmente de vida. 


Por: Claudia Silva

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